A Justiça não só dedica ao hercúleo trabalho de julgar as ações decorrentes de reclamações de consumidores. Há também casos que ‘fogem da rotina’ e, quando entram na esfera criminal, viram verdadeiros scripts de cinema (para mencionar tema muito caro ao Consumidor Seguro).
Ao que tudo indica, um casal de Alphaville teria sido morto a facadas pela filha e seu marido, com indícios de que os autores do crime foram motivados pela herança e seguros de vida das vítimas.
Para reflexão e julgamento próprio, leiam abaixo a matéria publicada, assinada por Fernando Porfírio, no site do Consultor Jurídico, dia 17 de fevereiro:
“Não se pode negar a realidade do clamor público
O clamor público pode legitimar a prisão provisória? Essa questão foi levantada nesta terça-feira (15/2), durante o julgamento do Habeas Corpus em que se pedia a revogação da prisão cautelar de um casal suspeito de autoria de duplo homicídio triplamente qualificado. O caso foi apreciado pela 16ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo.
O Tribunal disse não à questão levantada, mas ponderou que há casos em que a prisão processual para a garantia da ordem pública é medida necessária. Sustentou, ainda, que nesses casos, a medida extrema não sinaliza prejulgamento ou antecipação da pena. No julgamento prevaleceu o entendimento de que a vontade do povo nem sempre é a vontade a lei, mas que não se pode negar a realidade do clamor público.
“Não há dúvida que o julgador deve enxergar além do que vê e pretende a população, em sua grande maioria desconhecedora dos preceitos legais e da verdade contida nos autos”, defendeu o relator do Habeas Corpus, desembargador Almeida Toledo.
No entendimento da turma julgadora, a prisão cautelar do casal para a garantia da paz e da ordem públicas é medida apenas processual. Ainda segundo os desembargadores, também não configura abuso de poder ou ilegalidade por parte do juiz de primeiro grau que assinou o decreto, porque outros motivos, além da ordem pública, estão presentes na decisão.
Para o relator Almeida Toledo, o Judiciário não pode fechar os olhos ao clamor público, na medida em que o juiz como homem de seu tempo, deve estar atento — mas não influenciado — às necessidades sociais de segurança e credibilidade das instituições responsáveis pela manutenção da paz.
O caso
A advogada Roberta Nogueira Cobra Tafner e seu marido, Willians de Sousa, são apontados pelo Ministério Público como autores da morte do empresário Wilson Tafner e da advogada Tereza Cobra. O crime aconteceu em 2 de outubro. Wilson e Tereza são pais de Roberta. As vítimas foram mortas a facadas, enquanto dormiam, em sua casa, em Alphaville.
Os dois estão presos desde a segunda metade de dezembro. O casal foi apontado como o principal suspeito do crime, depois que a Polícia descartou a hipótese inicial de roubo seguido de morte. Antes do delito, Roberta teria deixado o escritório da mãe, no qual trabalhava, depois de uma briga, passando posteriormente a pedir 30% das empresas do pai. A Justiça autorizou o sequestro de bens e bloqueio dos direitos de herança da advogada.
O casal responde a Ação Penal suspeito de matar os parentes por interesse na herança e nos seguros de vida das vítimas, o que caracterizaria a figura do motivo torpe. De praticar o crime por meio cruel, com vários golpes de faca, o que provocou grande sofrimento físico e moral. E, por último, de ter praticado o delito de surpresa, à noite, quando as vítimas dormiam.
Acusação X defesa
O tema do clamor público foi levantado pela defesa que apontou entre seus argumentos o de que a prisão cautelar era medida “extrema” e “desnecessária”, diante das condições favoráveis aos suspeitos, que apresentam bons antecedentes, são primários e tem residência fixa e trabalho lícito.
A defesa sustenta que seus clientes sofrem constrangimento ilegal por parte do juiz da 1ª Vara Criminal de Barueri. Os advogados se rebelam contra o decreto cautelar e pede a sua revogação.
O argumento é o de que não há prova cabal da autoria do crime nem justificativa para suprimir a liberdade dos acusados, que são primários, de bons antecedentes e com residência fixa e trabalho lícito. Alegam ainda que o decreto prisional está desprovido de fundamentação válida.
A defesa ainda sustenta o princípio da presunção de inocência e a excepcionalidade da medida de prisão preventiva. Os advogados afirmam que a medida foi desnecessária, pois durante toda a investigação o casal colaborou com apuração dos fatos. Para eles, a gravidade abstrata do crime não justifica, por si só, a privação da liberdade para a garantia da ordem pública.
Subsidiariamente, a defesa ainda pediu que, no caso de Roberta, que é advogada, fosse cumprido o inciso 5º, do artigo 7º, do Estatuto dos Advogados, que dá direito à acusada de cumprir o decreto de prisão em “sala de estado maior”. Nesse último caso, o Tribunal manteve a liminar que permite a advogada cumprir o decreto de prisão conforme determina o Estatuto dos Advogados.
O Ministério Público — por outro lado — alegou que soltura dos suspeitos causaria desprestígio ao Judiciário e contribuiria para o agravamento da sensação de “impunidade”, “lassidão” e “ineficiência” do poder público.
Decisão
Os desembargadores Almeida Toledo, Souza Nucci e Alberto Mariz de Oliveira defenderam a necessidade da prisão cautelar para a garantia da ordem pública, da conveniência da instrução criminal e para a segurança da aplicação da lei penal. Para a turma julgadora, a gravidade dos crimes revela a periculosidade dos acusados e justificam a medida imposta ao casal.
A turma julgadora entendeu que a proteção da paz pública não está condicionada apenas a reiteração criminosa, muito menos a existência de movimentos, levantes ou revoltas barulhentas da comunidade. Mas concluiu que, no caso, a revogação da custódia cautelar só iria contribuir para manter em risco a tranquilidade social.
Durante o julgamento, os desembargadores fizeram um paralelo do caso apreciado com outros de enorme apelo e comoção social e repercussão. Para os julgadores, a suspeita envolvendo o casal acontece sem que se ouça palavras de ordem e de clamor por justiça e que a sociedade acompanha o desfecho no mais completo silêncio.